quinta-feira, 21 de março de 2013

A francesinha…


…o Daniel, o Abrantes e a Regaleira.

Se o Daniel David Silva e o Abrantes Jorge nunca te tivessem conhecido, a francesinha seria hoje, apenas um croque monsieur nos bristots franceses, que em vez de molho bechamel, levaria molho picante e provavelmente seria chamado croque monsieur au sauce piment.
Mas os tempos eram outros e a produção de riqueza tinha os pés próximos da terra, nos dias em que estamos hoje, é praticamente impossível que surja algo assim. Basta ver os grandes chefes de cozinha com estrelas Michelin a receber avenças das grandes multinacionais agro-alimentares, para lhes criarem pratos destinados à pequena e média restauração. A realidade desta restauração de onde saíram pratos que atingiram enorme popularidade, não lhes permite actualmente a veleidade de criar, para manterem as portas abertas tem de comprar os pratos já feitos as grandes marcas, os quais são aquecidos no microondas e vão para a mesa.

Mas de regresso ao passado.

Os dados biográficos disponíveis on-line sobre estas duas personagens são escassos e contraditórios.  
Biograficamente sabe-se que o Daniel David Silva nasceu em terras do Bouro, afirmam alguns que ele era poveiro, mas da Povoa as Terras de Bouro vai alguma distância. Não apurei a data, nem o lugar, nem a classe social, nem os estudos que fez. Sabe-se foi trabalhar ainda jovem para um restaurante em Lisboa, As Berlengas,  e mais tarde emigrou para a Bélgica e França. Terá sido pouco depois da segunda guerra mundial. Não sei quantos anos esteve emigrado, mas terá sido pouco, pois ao que parece regressou em 1953. Este percurso permite fazer alguns traços desta personagem, pois evidencia uma certa base social, económica e educativa. 

Do Abrantes Jorge não encontrei nada. Do restaurante a Regaleira encontrei que foi fundado em 1933.

Nós, portugueses, temos uma má relação com as memórias.

Mas encontrei sites referentes a irmandades das francesinhas, festival das francesinhas, roteiros diversos para provar em diferentes locais, blogues de fãs de falam das melhores e das piores, todos sabem o nome do seu “ inventor”, é de por as mãos à cabeça, como se os pratos se inventassem, e até a própria Casa do Infante que organiza um roteiro pedestre pela cidade para provar as ditas enquanto dão a conhecer a cidade, quase nada diz em termos biográficos, o que para uma instituição deixa muito a desejar. A informação disponível resume-se a provar as ditas cujas e deitar abaixo umas quantas cervejas e publicar de seguida no seu blogue ou pagina facebook.

O Daniel e o Abrantes talvez já se conhecessem vagamente de algum lado, porque o Abrantes era um apaixonado do seu petisco em França e convenceu-o a vir para Portugal oferecendo-lhe sociedade na Regaleira.* Faz todo sentido que assim tenha sido, pois estaríamos no final dos anos 40 inicio dos 50, e em França o mundo da restauração e hotelaria estava em pleno progresso num pais saído da 2ª guerra e em reconstrução que se encaminhava para o pleno emprego e as portas duma era de grandes regalias sociais. Ao que refere a mesma fonte, o Daniel era um bom conhecedor da cozinha francesa, como tal, agora sou a dizer, teria à sua frente um sem número de boas oportunidades; regressar a Portugal só aliciado por uma boa situação. Por tanto a versão do imigrante regressado de França que vinha empregar-se na Regaleira e lá inventar a dita cuja inspirado no croque monsieur, é reduzir a nada o individuo, é um hino à estupidez, porque, para quem não sabe, as criações em cozinha são 90% trabalho e conhecimento e só 10% são talento, e quem cria ou recria algo que agrada, sabe o valor que tem entre mãos, e estou em crer que o Daniel sabia, mais ou menos, o que tinha entre as suas, a tal ponto, que ainda hoje a verdadeira receita é desconhecida.

Mas afinal quem é o pai da francesinha?

Claro que o criador é sempre o pai, mas quem lhe deu as páginas da história foi Abrantes Jorge dono do restaurante a Regaleira, o que também lhe dá direitos de paternidade, mas que, sem a boa localização do Regaleira de certo a francesinha não teria alcançado uma rápida popularidade.
O que retiro desta história é o espírito de aventura que esteve na génesis, no risco de ambas as partes, o Daniel era um homem da boémia, mulherengo, de certo amante da vida com qualidade, aqui em França tinha-a ao seu dispor. O Abrantes não sei que classe de homem seria, mas corria o risco de dar sociedade a um fracasso comercial, a sandes poderia não ser aceite e como tal não ser rentável e daí todos os problemas que adviriam. Mas foi bem aceite pelo público e ao longo dos anos conquistou o seu lugar na culinária portuense e do país. Em Abril 2011, a AOL Travel, um megasite americano de viagens e turismo, considerou-a entre as 10 melhores sandes do mundo, o que representa uma mais valia para o turismo gastronómico da região do Porto.
Sem o Daniel, sem o Abrantes e sem a Reboleira, a francesinha mais não seria que um croque monsieur.

P.S. Omiti nesta minha intervenção aspectos que estão amplamente referenciados na rede. Termino no entanto, com pena de não ter descortinado dados biográficos fidedignos, mas prometo que o farei a seu tempo.
*Fonte jornal de noticias

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